sábado, 26 de janeiro de 2008

Um Cão Velho...




Candy rolou para a beira do catre. Estendendo a mão, alisou o velho cão e se desculpou.
— Tenho ficado perto dele tanto tempo que nem noto que fede.
— Bom, não posso agüentar ele aqui dentro — disse Carl­son. — O fedor fica por aqui mesmo depois que ele vai em­bora. — Com suas passadas pesadas, andou até o cão e olhou-o.
— Não tem dentes e está todo duro de reumatismo. Ele não tá bom pra você, Candy. Não tá bom nem pra ele mesmo. Por que não mata ele, Candy?
O velho se retorceu, desconfortável.

[...]

Candy olhou em torno, infeliz.
— Não — disse suavemente. — Não, não posso fazer is­so. Tive ele durante muito tempo.
— Mas ele vive sofrendo — insistiu Carlson. — E fede como o diabo. Escuta aqui. Eu mato ele pra você. Assim, não é você quem aperta o gatilho.

[...]

— Vou atirar de um modo que ele não vai sentir nada — disse Carlson. — Vou pôr o cano da arma bem aqui. — Apontou com o pé. — Bem atrás da cabeça. Nem vai es­tremecer.
Candy olhou de rosto para rosto em busca de ajuda. Do lado de fora, a escuridão era total.

[...]

Vamos acabar com isso. Não se pode dormir com o fedor dele aqui no ar. — Colocou a pistola no bolso traseiro das calças.
Candy fitou longamente Slim, tentando obter a revoga­ção da sentença. Mas Slim não veio em seu auxílio.
— Tá bem... pode levar ele — murmurou Candy fi­nalmente, desesperançado.
Não tornou a olhar para o cão. Deitou-se no catre, cru­zou os braços sob a cabeça e fitou o teto.
Carlson tirou do bolso uma fina correia de couro. Inclinou-se e atou-a no pescoço do cão. Todos os homens, exceto Candy, o observavam.
— Vamos, rapaz. Vamos, rapaz — disse suavemente. — Ele não vai sentir nada — acrescentou para Candy, em tom de desculpa.

[...]

Candy não se moveu nem respondeu coisa alguma. Carl­son puxou a correia:
— Vamos, rapaz. — O velho cão pôs-se lenta e rigida­mente de pé, seguindo a correia que o puxava com brandura.
— Carlson — disse Slim.
— Hem?
— Você sabe o que fazer?
— O quê, Slim?
— Leva uma pá — disse Slim sucintamente.
— Ah, tá. Pode deixar. — Conduziu o cão para a noite escura.
George foi até a porta e fechou-a, correndo o trinco de madeira sem fazer ruído. Candy jazia rigidamente na cama, olhando o teto.
— Uma das minhas mulas quebrou um casco — comen­tou Slim em voz alta. — Tenho que botar um pouco de alcatrão nele.
Sua voz se extinguiu. O silêncio continuava lá fora, de­pois que os passos de Carlson haviam desaparecido na dis­tância. O silêncio entrou na casa dos peões e ali se instalou.

...


Trecho de “Ratos e Homens”
de John Steinbeck




Palavra do dia:

Um comentário:

Karoline disse...

Eu não vou ler esse post. Logo vou ler o livro e não quero estragar essa parte.

Ps: Esse é um segredo meu, shhh.